segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

O longo inverno

Não sei bem ao certo a razão disso, mas sinto que o longo inverno está acabando. Assim que descobri o vazio, que nada mais era do que ter adquirido a noção do quanto bancar o herói havia me custado; nada menos que a minha própria humanidade. Não que não tivesse ela dentro de mim, só não sabia mais como me expressar honestamente. Eu era apenas o que esperavam de mim, o que eu esperava de mim, mas no fundo não passava de uma casca vazia. Eu era a fortaleza onde os outros buscavam abrigo e inspiração. Porém, lá estava eu preso no calabouço, amordaçado e quebrado. E quando enfim escapei do calabouço eu era algo mais do que um ser humano, era dono de uma força de vontade indomável, mas ao mesmo tempo algo menos, como se o próprio sol e tudo considerado normal me queimasse. Então descobri que por mais que ardesse por dentro, querendo tudo que nunca tive de uma só vez, meu corpo e mente estavam exaustos. Tinha que aprender a ser humano, algo que ninguém deveria precisar fazer, e além disso precisava saber ficar em pé por conta própria, sem ao menos poder contar com a ajuda do meu corpo para tanto. Agora todo dia eu sento no meu trono como o rei das minhas terras e observo os últimos dias do meu longo inverno passarem um a um, perseverando diante de cada novo obstáculo que aparece no meu caminho, pois o verão um dia irá chegar e nesse dia vou me erguer, senhor de mim mesmo. Só preciso suportar o longo inverno e torcer para estar pronto quando a hora chegar.

sábado, 25 de dezembro de 2010

Revolução

A data é de festas, mas apesar de tudo, dos amigos, da família, da boa comida, sinto que não tenho muitos motivos para festejar. Se houve o barulho de fogos eu não escutei, lembro apenas do temporal que inundou as ruas e dos relâmpagos que iluminaram os céus, tal qual a revolução que tomou conta de mim nesses últimos dias. Porém, essa permanece dentro de mim sem afetar ninguém, porque prefiro me afastar quando o sorriso no meu rosto começa a soar falso demais. Na tentativa de parecer mais verdadeiro me encho de fogo líquido e dou risadas sem nem saber o porquê, então esqueço por um breve momento a frieza daquele par de olhos escuros como lascas de obsidiana, a voz que me pede para segurar o rojão, simplesmente porque eu aguento. Me pergunto se tudo isso é visível aos olhos dos demais ou se fui a fortaleza por tanto tempo que me tornei uma rocha, indecifrável ao escrutínio alheio, ainda que em meu interior a revolução borbulhe como nunca fez antes. Não sei se o que eu quero é atenção, ser deixado em paz, ou até mesmo mandar todos para aquele lugar, mas antes de me decidir o viking aparece e toma conta de mim, porque ele aguenta. Ele me diz para engolir o que quer que esteja entalado na minha garganta e assumir o papel de fortaleza, não somente por mim e pela minha reputação, mas também pelos outros, porque eu aguento. Me pergunto se isso é realmente necessário e o quanto ser assim me custa, porque quero romper a rocha, quero me libertar e curtir a vida como qualquer outro. Outra vez obedeço suas ordens, embora eu perca seu respeito toda vez que faço isso, afinal, vikings fazem o que bem entendem sem se sujeitar a ninguém. Eu já sei que posso ser uma fortaleza quando é necessário, seja pelos outros ou por mim, mas eu quero ser um viking melhor do que sou agora. Porque um viking não tem planos, regras ou valores, ele é um conquistador, um senhor de terras e riquezas. Eu, por outro lado, ainda sou um vassalo. Não mais. Dou por encerrada a servidão, renego a abnegação cristã, renego esse que foi meu último Natal. Não é a solução, mas é bom um começo, né?

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Votos da Patrulha da Noite

"Escutem as minhas palavras e testemunhem os meus votos. A noite chega, e agora começa minha vigília. Não terminará até a minha morte. Não tomarei esposa, não possuirei terras, não gerarei filhos. Não usarei coroas e não conquistarei glórias. Viverei e morrerei no meu posto. Sou a espada na escuridão. Sou o vigilante nas muralhas. Sou o fogo que arde contra o frio, a luz que traz consigo a alvorada, a trombeta que acorda os que dormem, o escudo que defende os reinos dos homens. Dou a minha vida e a minha honra à Patrulha da Noite, por esta noite e por todas as noites que estão para vir"

Guerra dos Tronos - George R. R. Martin

Silêncio

Toda vez que eu deito sozinho no meu quarto que mais parece uma prisão o vazio toma conta de mim, e quando isso acontece eu consigo ouvir o silêncio, que nada mais é que minha própria solidão. Então permaneço deitado, sentindo absolutamente nada. O vampiro se apodera de mim toda noite, mas ele não ataca durante a noite, e sim quando eu acordo no outro dia. Ele está desesperado por contato humano, independente da limitação desse contato, então ele suga a vida de quem enxerga pela frente, tentando preencher seu silêncio. Mas a pessoa absorvida não sai ferida, de fato ela sequer enfraquece; muito pelo contrário, ela sai fortalecida. Porque o vazio do vampiro é um espelho para elas, onde podem enxergar suas almas, o que causa atração e ao mesmo tempo distanciamento, afinal toda pessoa tanto se ama quanto se odeia. Mas por um breve momento o silêncio do vampiro é preenchido por vida, não pela sua, porém ainda é uma alternativa melhor do que o vazio. Então chega a noite e com ela o silêncio, e por um breve momento antes do vampiro tomar conta de mim mais uma vez, quando sinto aquela vida que não é minha abandonar meu corpo, fico apavorado ao descobrir que estou morto por dentro. Algo se partiu lá atrás, não lembro bem quando, algo que não tenho como recuperar. O vampiro fez essa vítima, ele matou alguém sem que eu sequer percebesse, então o silêncio toma conta de mim quando descubro que esse alguém sou eu. Toda noite ele faz de mim sua vítima, e durante o dia ele apenas se fortalece, dando minha vida em troca da vida dos outros, tudo premeditado para tirar outro pedaço de mim quando a noite chega; outro pedaço de sua única vítima. Agora estou tomado pelo vazio e completamente apavorado. Estou morto por dentro. Deus me ajude, estou morto por dentro.

sábado, 4 de dezembro de 2010

Paradoxo

Antes já falei sobre as fiandeiras do destino da mitologia nórdica, em como elas determinam a vida dos homens, mas outro conceito presente na cultura viking é o de que os homens criam seu próprio destino. O que leva a um paradoxo, afinal, se tudo é determinado pelo destino, como podem os homens ter papel nisso? Convenhamos, no final das contas é tudo uma desculpa para fazer o que se bem entende, sem ligar para as consequências, porque usando a justificativa do destino os homens não precisam responder por nada. Ainda assim, vamos tentar entender a lógica disso, ok? Quem sabe simplesmente seja um modo de explicar aquelas pequenas coisinhas inexplicáveis da vida, as coincidências e ironias que não consigamos decifrar, embora nos tirem o sono durante o noite. Não gosto dessa explicação e vou dizer o motivo: é a explicação dos conformados, de quem tenta interpretar o destino, de quem se questiona diante da adversidade, buscando meios de ignorar ela. A possibilidade que mais me agrada é que o modo viking de ser consiste em desafiar o próprio destino, não deixando nenhuma situação ou pessoa moldar ele, sendo essa a única maneira de atingir esse destino. De que modo um guerreiro poderia conhecer o Valhalla não fosse o desejo de conquistar coisas extraodinárias? Ou seja, é possível lutar contra o destino, mas no fundo não tem como vencer dele, afinal, o único modo de atingir ele é lutando. E um viking não aceitaria viver de outro modo.

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

O chamado

Como se procura por alguma coisa já tendo encontrado ela? Me sinto assim muitas vezes. E o pior é que quanto mais procuro outra coisa mais forte se torna o que sinto, um rosto que me segue para todo lugar onde eu vou, acompanhado por um sentimento difícil de explicar. Na mitologia nórdica dizem que cada vida é um fio oriundo de Yggdrasill, a Árvore da Vida, depois esses fios são tecidos pelas Nornas, fiandeiras que controlam o destino dos homens. Muitas vezes dois fios se entrelaçam, seja por artimanha ou destino, e quando isso acontece o fio se torna um só, o caminho de duas pessoas se cruza, às vezes apenas por algum tempo, mas outras vezes para sempre. Agora o destino chega a mim como um chamado, pedindo para eu confiar nele, que tudo vai dar certo no final. A impressão é que esse chamado sempre esteve presente desde que os fios se aproximaram um do outro, ainda que na época eu não desse ouvidos a ele, talvez por ser cedo demais, e só o que eu sentia era uma sensação estranha de perda quando o destino começou a divergir do seu caminho. Mas e se tudo não passar de uma artimanha? Porque pode ser que os percalços sejam placas de aviso no ínicio de uma estrada perigosa por onde ninguém deveria passar. Mas como se livrar disso sem negar que o destino verdadeiro se realize? Porque pode ser que não seja uma artimanha e os percalços no caminho sejam apenas superficiais. Às vezes enxergo sinais que o chamado é verdadeiro, que não é algo exclusivo meu, e então um fogo acende dentro de mim, queimando todo obstáculo no caminho. Porque se for o caso é exatamente assim que eu agiria, afinal, conceitos místicos à parte, o chamado sou eu, minha chama interna, meu orgulho, o viking que não conhece obstáculos. Pode ser para pilhar uma cidade, roubar uma mulher, tanto faz. Por outro lado, o viking é apenas uma fantasia, porque o mundo não funciona mais assim e nem deveria. A verdade é que não tenho como saber se o chamado é unilateral como muitas vezes parece ser, mas também não descarto a possibilidade do chamado ser verdadeiro e da outra parte simplesmente não dar ouvidos a ele, como eu não o fiz por muito tempo. Mas não é do feitio dos homens interpretar o destino. Tudo o que eu posso fazer é confiar em mim, naquilo que sinto, naquilo que vejo, e que no final só os deuses sabem a resposta.