quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Perdido na floresta

Às vezes desce uma luz sobre mim e eu sinto como se entendesse tudo que tivesse para ser entendido, então tudo é belo, minha vida, minhas amizades, meus amores. Mas de repente tudo aquilo some e surge o medo, a desconfiança, o rancor. Eu ouço uma risada no fundo da minha mente, uma voz demente dizendo "Você não está livre ainda, garotinho assustado. Você nunca vai estar livre. Você é meu". Quem é esse estranho que mora na minha mente? Desconfio que seja o Lobo Mau, aquele que subi no palco para enfrentar quando era tão pequeno que hoje em dia sequer lembro da cena, sabendo dela por terceiros. De certa forma, foi a experiência definitiva da minha vida, aquela que tento fazer jus até hoje. Me pergunto porque o garotinho assustado não se juntou ao choro dos demais. Por que ele se sentiu obrigado a subir no palco e enfrentar o Lobo Mau? Estaria ele com medo como todos os outros? Imagino que sim. Então por que ele subiu no palco? Às vezes me pego pensando se seria por que no seu subconsciente o garotinho sabia o que teria que enfrentar mais para frente, como um soldado que não hesita entrar na linha de fogo por saber que está adiando o inevitável, e nesse caso prefere lutar nos seus próprios termos. Porque o garotinho não consegue se resignar ou fingir que está tudo bem como os outros, não por ser melhor do que eles, mas porque se não fizer isso o Lobo Mau o pegará. O que me faz pensar que talvez esse Lobo Mau também seja o garotinho, o que faria dele também o Lenhador. É a velha história do bem contra o mal, luz contra a escuridão, tudo dentro de uma única pessoa. Se por um lado o Lenhador luta para defender a inocência, representada pela Chapéuzinho Vermelho, o Lobo Mau quer destruí-la. Sua voz chega em mim agora como um rosnado, querendo destruir tudo o que tenho, minhas amizades, meu amor, minha inocência. Ele vai atrás do que eu mais valorizo, aquilo que mais machuca. Então surge o Lenhador e eu quero fugir, o garotinho cansou de lutar, ele quer paz. Ele quer desistir, alguém que cuide dele, afinal, ele é apenas um garotinho e naquela luta não há um vencedor, nunca houve. Até que surge Chapéuzinho Vermelho, toda chamativa com seu gorro rubro, um alvo ambulante para o Lobo Mau, que avança sobre ela e deixa o Lenhador lutando sozinho. Nisso o garotinho olha para os lados e não enxerga ninguém para ajudar, todos fugiram ou estão paralisados de medo, achando que estão seguros em seus casebes. Outra vez ele corre para o campo de batalha, sem saber o porquê de ter tomado essa decisão, e dessa vez o Lobo Mau corta sua pele, porque agora a luta se tornou real, o garotinho tomou consciência disso. Mas o garotinho é pequeno demais para lutar e ele grita pelo Lenhador enquanto as garras do Lobo Mau dilaceram sua pele. O garotinho protege Chapéuzinho Vermelho usando seu corpo, recebendo cada golpe que era destinado a ela, pois apesar de ser corajosa a garotinha é frágil demais para andar sozinha na floresta, algo que ninguém deveria fazer. É por ela que o garotinho voltou atrás, portanto não pode abrir ela de mão. O Lobo Mau se aproxima salivando para devorar as duas crianças aos seus pés, mas um golpe de machado corta o ar, tirando também um pedaço do monstro. Ele rosna e salta sobre o Lenhador, retomando a velha disputa. Chapéuzinho Vermelho aproveita a distração do Lobo Mau e corre de volta para a aldeia, lançando apenas um olhar ao garotinho ferido antes de atravessar o portão, como se o convidasse a vir junto. Era tudo que ele gostaria, mas se o fizesse, quem ajudaria o Lenhador a vencer aquela luta? Porque a luta era dele e ninguém lutaria em seu lugar. Mas a batalha não se desenrola mais no palco, mas na floresta, e ela é muito, muito real. Sem saber o que fazer, o garotinho senta no chão e observa a luta, se perguntando quem sairá mais ferido dessa vez, quem virá até ele caso enfim saia um vencedor daquela luta. Ou aquela batalha nunca teria um vencedor, sendo o garotinho o único possível perdedor, quando Chapéuzinho Vermelho se colocar mais uma vez no meio da disputa? Mesmo depois de todos esses anos eu ainda não sei a resposta, porque para isso eu teria que entender o que fez o garotinho subir no palco, quando só o que eu possa fazer é levantar hipóteses. Afinal, quem é o garotinho? Não só ele, mas o Lenhador e o Lobo Mau, quem são eles? Teria Chapéuzinho Vermelho a resposta? Será ela que o garotinho deveria conhecer? Chapéuzinho Vermelho quer conhecer ele? Mas então a luta daquele dia termina, outra trégua foi aceita por ambas as partes. O Lenhador segue seu caminho para a aldeia, olhando o garotinho com pena quando passa por ele. Por sua vez, o Lobo Mau tem um sorriso no rosto lupino quando toma o caminho de sua toca, mas faz questão de parar diante do garotinho assustado. Ele diz sua frase: "Você não está livre ainda, garotinho assustado. Você nunca vai estar livre. Você é meu". Mas ele acrescenta algo: "Você sou eu". Então desaparece entre as árvores. Mais uma vez o garotinho está sozinho na floresta, perdido, sem saber o caminho de casa. A aldeia é inalcançável, com seus altos muros de madeira, e a toca de um lobo não é lugar para um garotinho. Mesmo assim ele fica em pé e tenta achar seu caminho, se embrenhando cada vez mais na floresta, mas não irá demorar para o Lobo Mau seguir seu rastro, com o Lenhador em seu encalço. Ou talvez ele encontre Chapéuzinho Vermelho na floresta como fez tantas outras vezes. Começa tudo de novo.

O Lobo Mau pisa no palco outra vez e não há nenhum Lenhador. O garotinho sobe no palco. E rolam as cortinas.

Nenhum comentário: