Uma noite dessas eu tive um sonho estranho. Começou com uma batalha aérea, onde bizarras máquinas de guerra sobrevoavam um platô, escondido entre um desfiladeiro rochoso e ladeado por um grande lago, que por sua vez era interrompido pela encosta de um vulcão na outra extremidade da margem. Os maquinários surgiam do meio desse lago e flutuavam na direção de uma série de cavernas na montanha, onde habitava um povo de feições bárbaras. As naves invasoras eram manuseadas por estranhos seres parecidos com humanos, mas com a pele azulada, guelras e olhos negros sem pálpebras. Não demorei a perceber que se tratava de uma raça Atlante ou algo parecido. Aos poucos também notei que os mecanismos adotados por eles tinham uma tecnologia similar a nossos balões e zeppelins, e eram controlados por uma complexa combinação de alavancas. A guerra iniciou quando os invadidos deixaram suas tocas e casebres rústicos e responderam com uma saravaida de flechas e pedradas.
Logo boa parte das naves murcharam e afundaram no lago, as restantes sofriam para encontrar espaço para aterrissar em meio a horda crescente de bárbaros cabeludos. As que conseguiram, abriam uma comporta traseira que liberava caminho para altivos guerreiros atlantes, alabardas em mãos e bestas presas nas costas. Alguns partiam para o combate corpo-a-corpo, onde demonstravam técnicas de luta muito superiores e jamais vistas na superfície, enquanto outros procuravam abrigos de onde poderiam disparar suas setas de ferro em segurança. Ainda assim, devido ao maior número de adversários e falta de conhecimento do terreno, a disputa era acirrada.
Mas os atlantes possuíam mais cartas na manga, na figura de veículos terrestres em forma de tripé que emergiam d'água, com um tripulante dentro e no comando de poderosos tentáculos de metal, dilacerando tudo no caminho. Do lago também surgiam plataformas repletas de lanceiros e atlantes montados em criaturas marinhas, com armas que disparavam um gancho preso a uma corda, assim como diversas outras máquinas hidráulicas terrestres e aéreas, tudo de uma beleza impecável, que enganava os olhos. Não pude ver se eram sólidas ou líquidas, parecia uma harmoniosa união entre uma coisa e outra.
A vitória se aproximava e eu sentia que os atlantes mereciam vencer por algum motivo, então um estrondo interrompeu a guerra e uma fumaça negra cobriu o ar, sufocando o punhado de bárbaros que haviam sobrado, fazendo-os procurar abrigo. Mas os atlantes encaravam o monstro, sem medo. O vulcão rugia, desafiador, exalando um vapor cada vez mais tóxico. Lava fétida escorria na direção do lago, e quando deram por si, os guerreiros do mar estavam cercados, uma vastidão de covardes apareceu do nada no momento em que se viram em vantagem. Lobos selvagens presos a correntes salivavam, assim como seus domadores.
E após um breve período de hesitação, onde cada um esperava a iniciativa do outro, uma voz melódica e de sabedoria infinita deu uma ordem. Descendo de uma gigantesca fera marinha similar a uma serpente, o rei sugeriu um acordo, que mais parecia uma rendição. Um velho enrugado e de tosse contínua concordou, sorrindo triunfante num esgar doentio. Assim a curta batalha se encerrou. Aparentemente o soberano atlante entregou sua coroa ao cacique dos homens, em troca, o velho moribundo deixaria os prisioneiros voltarem ao mar para proteger seus lares. Não houve despedida, muito menos lágrimas, apenas um curvar em uníssono que não parecia ensaiado. O filho primogênito do rei aceitou o tridente real e disparou uma corneta em formato de concha. Sem baixar a cabeça, o exército atlante voltou de onde veio, deixando o patriarca para trás. Os poucos bárbaros que se opuseram foram devorados por monstros marinhos antes de impedir a marcha dos guerreiros.
Por centenas de anos o antigo rei da última estirpe de uma nobre raça ajudou os humanos a evoluir, lhes ensinando a escrita e tantos outros dons, e durante todo esse tempo permaneceu acorrentado. Quando a última horda de exploradores deixou o local, o chefe decidiu soltá-lo, uma vez que ele não tinha mais uso. Orfão de seu povo, o rei transformado em escravo permaneceu no desfiladeiro, onde viveu por mais alguns séculos, vendo o mundo mudar por meio de sua visão quase sem limites. Ele viu o mesmo povoado que lhe abandonou conquistar outro povoado e assim por diante, até a criação do império e sua quietude mais selvagem que qualquer vila de bárbaros. Acabou morrendo de inanição certo dia, decepcionado, pois apesar de ter oferecido imensa sabedoria aos homens, a arte da guerra foi a única coisa que aprenderam.
Assim eu vi desaparecer a raça original daquele mundo, para nunca mais voltar.
quinta-feira, 26 de julho de 2007
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